segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Não Seja Justo

O Livro do Gênesis (nos capítulos 13-14 e 18-19) nos relata sobre a perversa cidade de Sodoma (Sedom).

Primeiro lemos como Lot, sobrinho de Avraham, instalou-se em Sodoma apesar do fato de que seus habitantes eram "maus e pecadores para com D'us"; Sodoma é assolada pelos exércitos de Kedarlaomer, e Avraham vem para resgatar seu sobrinho capturado; encontramos então Avraham suplicando a D'us para poupar a cidade pecaminosa pelo mérito dos residentes justos que lá possam viver, mas acontece que nem ao menos dez pessoas assim podem ser encontradas; dois anjos, disfarçados de homens, visitam a cidade, mas somente Lot lhes oferece hospitalidade; Lot os salva da ralé sodomita, e eles, por sua vez, resgatam a ele e suas duas filhas antes de destruir a cidade.


Quais eram os pecados de Sodoma? Em diversos idiomas, o nome da cidade é sinônimo de perversão sexual. Isso deriva da narrativa da Torá de como a ralé que cercava a casa de Lot exigia que este entregasse seus dois hóspedes a eles "para que possamos violentá-los." Mas as tradicionais fontes judaicas - o Talmud, Midrashim e os Comentários - têm um ângulo diferente sobre a história de Sodoma. Lá, a ênfase não está em seus pecados sexuais, mas na sua falta de hospitalidade e sua violenta oposição a quem quer que ouse compartilhar qualquer bem da cidade com um estranho.


Nas palavras do Talmud: "Os homens de Sodoma foram corrompidos somente por causa do bem que D'us havia lhes prodigalizado... Disseram: 'Como a terra nos fornece o pão, e o solo tem ouro em pó, porque devemos receber viajantes, que vêm a nós somente para se aproveitar de nossa riqueza? Ora, vamos abolir a prática de alojar viandantes em nossa terra...'"


Eles até encontraram uma forma de ser caridosos enquanto se asseguravam de que nenhum estrangeiro se beneficiaria de sua caridade: "Se um pobre por acaso fosse para lá, cada morador lhe daria um dinar, sobre o qual haveria seu nome escrito, mas nenhum pão era vendido a ele. Quando morria, cada um vinha e recolhia de volta seu dinar." Chegaram ao ponto de decretar: "Aquele que der um pedaço de pão a um mendigo ou estranho será queimado numa estaca."


A história de Sodoma aparece na Torá contra o pano de fundo da vida de Avraham. De fato, Sodoma é a antítese de Avraham, retratado pela Torá como a própria personificação de chessed(benevolência). Avraham dá muito de si, tanto materialmente (fornecendo comida e alojamento aos caminhantes) quanto espiritualmente (compartilhando as verdades que descobriu, rezando por Sodoma); o sodomita pretende guardar para si mesmo aquilo que é.


O que é notável sobre os habitantes de Sodoma é que não são ladrões (como a geração do Dilúvio). Mesmo quando privavam um intruso de seus pertences, eram cuidadosos em fazê-lo de forma "legal." De fato, sua filosofia básica parece até benigna. Nas palavras de Ética dos Pais:


Aquele que diz: "O que é meu, é meu, e o que é seu é seu" - esta é a característica de Sodoma.


O que pode ser mais justo? Certo, o povo de Sodoma levou isso a extremos repulsivos. Mas todapessoa que declara: "O que é meu é meu, e o que é seu é seu" é um sodomita? Tudo que está declarando é: "Não tocarei naquilo que é seu, mas não espere que eu lhe dê alguma coisa."

Para o judeu, esta justiça é a essência do mal.

Por Yanki Tauber