segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O que é Cabalá?

Uma introdução básica aos três tipos de Cabalá

A
tradução literal da palavra Cabalá é "aquilo que é recebido". Para receber, devemos ser receptivos. Devemos nos abrir, criando um receptáculo para absorver aquilo que desejamos entender, até nos tornarmos parte da Cabalá. Abrir o ser para uma realidade mais elevada, visualizar o espírito dentro da matéria, elevar nossa consciência até o ponto em que nossa percepção da realidade é completamente mudada, e o Divino dentro de toda a Criação é revelado.

Falando de forma geral, a Cabalá está dividida em três categorias: a teórica, que se preocupa basicamente com as dimensões interiores da realidade; a dos mundos espirituais, almas, anjos e coisas semelhantes, e a meditativa, na qual a meta é treinar a pessoa que está estudando para atingir estados meditativos mais elevados de consciência e talvez, até um estado de profecia através do emprego dos Nomes Divinos, permutações de letras e assim por diante. Este último tipo de Cabalá é o mágico, que se preocupa em alterar e influenciar o curso da natureza.

A grande maioria dos textos mais importantes da Cabalá mágica jamais foi publicada, talvez por um bom motivo. Além de ser um assunto altamente complexo para dominar, mesmo quando dominado às vezes pode ser perigoso. R. Joseph Della Reina (1418-1472) foi um dos grandes mestres da Cabalá mágica. Conta a lenda que ele tentou utilizar seus poderes espirituais para trazer a suprema Redenção, e no processo de fracasso ficou espiritualmente ferido. Alguns dizem que cometeu suicídio, ao passo que outros afirmam que se transformou num apóstata. Outros ainda dizem simplesmente que enlouqueceu.

Muitos cabalistas na geração seguinte tomaram suas ações como uma advertência contra a prática da Cabalá transcendental avançada e mágica. A partir de então, os elementos mágicos da Cabalá têm, para todos os fins e propósitos, se extinguido, e seu conhecimento completamente esquecido.

Qualquer que seja o motivo, a Cabalá meditativa nunca foi uma disciplina popular. Um dos grandes proponentes da Cabalá meditativa foi Rabino Abraham Abulafia (1240-1296). A escola mística que ele dirigia estava basicamente interessada num método para atingir estados meditativos mais elevados. Ele acreditava que através do seu método de meditação, a pessoa estava apta a atingir um nível de profecia.

Ele propunha usar um mantra escrito, querendo dizer que em vez do costumeiro mantra verbal ou visual, a pessoa deveria escrever uma palavra repetidamente, muitas vezes, em diversos estilos e configurações. Deveria tentar alterar a seqüência da palavra e permutar e circundar as letras da palavra em todas as maneiras possíveis: combinando e separando as letras, compondo associações completamente novas de letras, agrupando-as e depois juntando-as com outros grupos, e assim por diante. Isso era feito até a pessoa atingir um estado mais elevado de percepção.

Ora, embora Abulafia fosse um escritor prolífico e autor de mais de quarenta livros durante sua vida, mesmo assim a maioria de suas obras jamais foi publicada. De fato, mesmo durante sua vida, muitos dos outros grandes cabalistas se opuseram a ele e aos seus ensinamentos.

Portanto, a Cabalá, na qual a meta era atingir o estado transcendental de consciência, jamais se tornou importante embora em nível individual, havia diversos cabalistas, especialmente aqueles da Safed do século dezesseis, que incorporaram seus ensinamentos como uma maneira de atingirem estados mais elevados de percepção e consciência.

O que nos resta é a dimensão teórica da Cabalá. A vasta maioria da Cabalá que foi e está sendo continuamente produzida está toda dentro do âmbito teórico. O corpo principal deste tipo de Cabalá é o sagrado livro Zohar, uma obra de ensinamentos do místico talmúdico do segundo século, Rabi Shimon bar Yochai, que foram transmitidos de geração em geração até serem publicados no final do Século Treze pelo cabalista R. Moshe de Leon.

Os três estágios do desenvolvimento da Cabalá teórica

É o aspecto teórico da Cabalá que tem sido desenvolvido através dos tempos em diversos estágios. Para fins práticos, a tradição deste estilo de Cabalá pode ser dividido em três estágios básicos. O primeiro é a era da publicação do Zohar, com a mística do livro e a geração seguinte que articulou estes ensinamentos. O segundo seriam os místicos do Século 16 que viveram na cidade de Safed. Este período específico da história é mencionado como a grande Renascença Cabalista. O movimento foi guiado pelos profundos e sistemáticos ensinamentos de R. Yitschac Luria (1534-1572). Ultimamente, o terceiro desenvolvimento da Cabalá foi com o nascimento de R. Yisrael ben Eliezer (1698-1760), conhecido como Báal Shem Tov, o Mestre do Bom Nome, fundador do Movimento Chassídico, que de maneira direta ou indireta tem orientado todos os outros movimentos até os dias de hoje.

Alguém que tenha tido apenas vislumbres da Cabalá teórica – o novato – tende a considerá-la um escrito repleto de fantasia, ocorrências e imagens estranhas, fantásticas paisagens místicas, aparentemente irracionais, irreais e sem base na realidade. Ao abrir a obra clássica da Cabalá teórica, o Zohar, a pessoa se surpreende com a imaginação dos autores, mas talvez o fascínio termine aí. Para o novato ele se parece com um livro de fantasia, nada além disso. Um famoso mestre cabalista, o Tsadic de Zitshav, disse certa vez sobre a Cabalá que estes três estágios em seu desenvolvimento podem ser relacionados com uma parábola.

Numa época em que viajar era uma aventura perigosa e árdua e a maioria da pessoas jamais saíra de sua própria aldeia, um homem viajou a um país distante. Ao voltar, reuniu o povo de seu vilarejo e entusiasmado, relatou as aventuras de sua viagem. Falou sobre uma ave que tinha visto num país distante, cuja aparência era fantástica. Por exemplo, o pássaro tinha feições humanas; as pernas eram como as de uma girafa. Os aldeões zombaram da história, considerando-a pura fantasia.

Inspirado pelas aventuras que ele contou, um aldeão saiu para fazer a mesma viagem, determinado a ver o mundo por si mesmo. Anos depois retornou à aldeia, um homem do mundo. Assim como o viajante que tanto o inspirara, ele reuniu as pessoas do lugar e relatou suas aventuras. Também falou sobre aquele pássaro fantástico, mas sua descrição era um pouquinho diferente. A face da ave, disse ele, não era realmente humana, embora lembrasse bastante um homem, e as pernas eram longas e finas, definitivamente lembrando uma girafa; no entanto, não eram realmente pernas de girafa. Ao ouvirem a história deste homem, os aldeões ficaram divididos. Alguns acreditaram piamente no homem, cuja história era mais convincente que a do primeiro viajante. Apesar disso havia muitos cépticos, para quem a história ainda soava inventada e irreal.

Um dos habitantes da vila estava determinado a pôr um ponto final no assunto deste pássaro estranho e empreendeu a longa viagem para vê-lo por si mesmo. Ao voltar, reuniu os moradores locais e triunfante, declarou: O assunto está resolvido! Abriu uma bolsa grande e dali retirou a estranha e fantástica ave. Desta vez ninguém duvidou.

Esta parábola se relaciona com os três estágios de desenvolvimento do âmbito teórico da Cabalá. O autor do Zohar, a obra magna do pensamento cabalista, Rabi Shimon bar Yochai, foi o primeiro a descrever a Divina presença e nosso relacionamento com o Ein Sof. No Zohar, encontramos histórias tão estranhas e fantásticas, configurações e imagens tão míticas e místicas, que mal podemos acreditar. No Século 16 em Safed, a cidade dos místicos, a Cabalá começou a adotar uma forma de análise mais abrangente e detalhada. Os padrões e os processos de pensamento sistemático começaram a aparecer na literatura cabalista. Por fim, com o nascimento do Movimento Chassídico, a Cabalá amadureceu.

O Chassidismo é o movimento místico fundado pelo R. Yisrael ben Eliezer, o Báal Shem Tov. Ele trouxe a imagem do Criador até a realidade. Estes conceitos místicos não eram mais irreais e distanciados, mas se tornaram uma parte concreta da nossa vida diária, afetando cada faceta da criação. O Céu foi trazido à Terra.

A jornada cabalista completa um círculo

A opinião das pessoas sobre o propósito da Cabalá está repleta de equívocos. Um dos mais populares é que o estudo da Cabalá pretende transformar a pessoa num vidente, capaz de ter habilidades miraculosas e sobrenaturais. Isso, no entanto, é equivocado. O supremo propósito no estudo da Cabalá é a perfeição do Ser. Transformar o Ser num indivíduo melhor, mais expandido, mais transcendente, mais sintonizado com a essência e as raízes da própria alma, é isso que a Cabalá oferece àqueles que realmente desejam recebê-la.

O critério da jornada autêntica e cabalista é aquele que faz um círculo completo e a pessoa termina voltando ao mundo do aqui e agora. O Talmud fala dos quatro Sábios que entraram no pomar celestial e tiveram uma experiência transcendental. Ben Azzai olhou e morreu. Ben Zoma olhou e ficou transtornado. Em outras palavras, ficou louco. Acher (o outro, nascido Ben Avuyah) olhou e arrancou suas plantas, ou seja, transformou-se num herege. Rabi Akiva entrou e saiu em paz. O pomar representa os reinos espirituais mais elevados. Rabi Akiva foi o único sábio, dentre estes quatro, que pôde entrar e sair no pomar místico sem sofrer danos.

Sendo um homem de grande estatura espiritual, um mestre verdadeiro e equilibrado, ele percebeu que o objetivo não é se identificar com a luz e não retornar, como fez Ben Azzai, ou mentalmente, como Ben Zoma. Também não era sentir alívio pessoal ou êxtase, mas sim ir e voltar para cá, com a sabedoria adequada para servir aqui e agora. A jornada deve percorrer um círculo completo no comportamento do dia-a-dia da pessoa.

Agora, porém, o âmago de toda a Cabalá é o objetivo distinto de atrair a Luz Infinita da santidade abstrata para a realidade do dia-a-dia. E os primeiros cabalistas eram conhecidos como "Homens de labuta" – seus esforços não eram de natureza física, mas trabalharam durante toda a vida para se aperfeiçoarem e elevar seu nível de consciência até o ponto de uma percepção espiritual da realidade. Com a chegada do Báal Shem Tov, esta noção adquiriu um significado novo. Com os ensinamentos do Báal Shem Tov, a trilha tornou-se tão clara a ponto de este refinamento poder ser alcançado.

Conhecer a Cabalá é viver cabalisticamente

A Cabalá é comparada à proverbial "árvore da vida". É um estudo da vida, e assim como a vida não pode ser estudada num livro, mas somente através da própria vida, também o estudo da Cabalá somente é eficaz quando se pratica os seus ensinamentos em nossa vida diária. A Cabalá estudada como uma matéria escolar num livro é como alguém que estuda 'amor', mas jamais o experimenta por si mesmo.

R. Simchá Bunem de Pshischá, famoso mestre chassídico, disse certa vez sobre um famoso cabalista que ele não tinha compreensão sobre a Cabalá. Explicou que embora fosse verdade que ele era versado na literatura cabalista, não tinha um verdadeiro entendimento. Para ilustrar o que queria dizer, ofereceu a seguinte metáfora. Digamos, por exemplo, que uma pessoa deseja se familiarizar com Paris. Compra um mapa e um guia da cidade e os estuda diligentemente, até conhecer todos os detalhes e os caminhos da cidade; porém, é desnecessário dizer que se ele jamais visitar aquela cidade, jamais saberá realmente como é Paris. O coração e o pulso de qualquer cidade somente podem ser sentidos quando se vai lá. Assim também, concluiu Reb Bunem, para entender totalmente a Cabalá, a pessoa deve vivê-la, e isso aquele cabalista não tinha feito.

O refinamento do caráter

É preciso apenas um breve vislumbre da obra dos grandes mestres da Cabalá teórica para perceber que a grande maioria dos textos não tratam de transformação do caráter. Embora seja verdade que a literatura mística cabalista seja voltada ao ato de relacionar o teórico com a vida diária, a Cabalá em si parece não se importar tanto com a pessoa. Ao contrário, parece estar interessada em explicar as esferas celestiais, anjos, almas e 'coisas' deste tipo, não como o indivíduo pode vencer o comportamento negativo.

No entanto, isso não implica que a Cabalá não esteja interessada na pessoa em si. Ao contrário! Na verdade, há incontáveis declarações em todas as obras da Cabalá sobre a negatividade dos maus traços de caráter, como raiva, preguiça, depressão, e outros. A condenação mais severa da depressão, fúria e outras emoções prejudiciais são encontradas nas obras da Cabalá. Porém o método cabalista de refinamento de caráter é uma abordagem bem diferente daquela que estamos acostumados a encontrar. Não é uma batalha que combate a negatividade em seu próprio campo, e também não se trata de superar o negativo com o positivo. Sua abordagem é vir de outro ponto de vantagem e ver as coisas sob outras perspectiva.

O objetivo fundamental do pensamento místico é fazer a pessoa entender que não há nada além do Infinito. Ao ler as várias configurações, mapas e diagramas que a Cabalá apresenta, a pessoa desperta à conscientização de que tudo que realmente existe é o Ein Sof. Há uma sensação que deve ser despertada quando penetramos nas verdades da Cabalá, e esta é a sensação de que o mundo como temos a tendência de percebê-lo, separado, independente de um criador, é apenas uma ilusão, e na realidade não há nada que não seja a luz infinita. Tendo esta noção em mente, consciente ou subconscientemente, estamos aptos a conquistar todas as nossas emoções e traços negativos.

O ego: o falso senso do ser como fonte de todas as emoções negativas

Rabi Eliyahu ben Moshe di Vidas, um cabalista do Século 16, declara que há três traços negativos básicos, que podem ser considerados "os traços principais'" a partir dos quais ocorre toda dissensão. São eles: arrogância, teimosia e fúria, dos quais todos alegam originar-se na mesma fonte, ou seja, o ego. O ego é a fonte a partir da qual brota toda a negatividade. O âmago de toda a corrupção é aquele falso senso de ser/ego, que vive num estado incessante daquilo que pensa que irá causar a sua sobrevivência.

É o ego que faz surgir todas as emoções negativas. Por exemplo, quando uma pessoa fica furiosa, é a maneira do ego de demonstrar sua objeção porque não está feliz. O ego, quando sente que está ameaçado, é aquele que protesta: 'como você pode fazer isso comigo' – o que desperta a raiva. O medo da aniquilação é a constante condição do ego. A raiva é apenas uma manifestação da preocupação da pessoa com sua presunção imaginária de sobrevivência. O total envolvimento com o "eu" ilusório é a raiz de todas as emoções negativas.

Ao superar este falso senso de ser, que brota da falsa estimativa de sobrevivência da pessoa, as emoções negativas são dominadas. Por meio do estudo da Cabalá, chegamos à percepção de que o falso senso de ser/ego é apenas um disfarce de nossa real dinâmica interior, nossa alma transcendente. A sensação que temos quando contemplamos a Cabalá é que tudo existe é Ein Sof. Procuramos sentir isso num nível cósmico, e então entendê-lo em nosso próprio nível.
Conseqüentemente, a ilusão de separação/ego e, como resultado, a preservação dessa miragem começará lentamente a desaparecer, e com ela desaparecerão as emoções negativas que são a manifestação do ego.

Em vez de ver o ego como um inimigo real que precisa entrar na batalha para ser superado, começamos a perceber que não há nada além da Luz, e tudo o mais é simplesmente uma ocultação daquela verdade. Esta é a abordagem cabalista para a auto-perfeição. Não lida com o ataque negativo, de maneira alguma. Ao contrário, busca a fonte de todos os problemas, o Eu/ego, e por extensão, toda a realidade física, e demonstra como, de fato, estas realidades aparentemente independentes não passam de uma camuflagem. Ao perceber isso, nossa negatividade é dominada com mais facilidade.

Por Dov Ber Pinson

Link de alguns Vídeos relacionados a Cabalá


Cabalá

A Origem da Cabalá

A ética da responsabilidade judaica

Vivemos hoje um estranho paradoxo. Somos confrontados diariamente por imagens de catástrofes globais: terror, terroristas suicidas, danos ao meio ambiente, países e continentes afetados pela pobreza e doenças, além dos desastres naturais como o tsunami que custou tantas vidas há meses. Existe algo natural – um instinto básico de empatia e simpatia – que nos faz querer ajudar quando vemos pessoas sofrendo.

Ao mesmo tempo, com freqüência nos sentimos pequenos e insignificantes. O que podemos fazer para ajudar? O impacto que podemos causar parece inadequado perante a escala dessas tragédias. Há seis bilhões de pessoas atualmente. Que diferença um indivíduo pode fazer? Somos apenas uma onda num oceano de humanidade, poeira na superfície do infinito.

No livro To Heal a Fractured World tentei contar a história da "ética da responsabilidade" judaica. É uma história para o nosso tempo. O Judaísmo começou com Avraham, um único indivíduo. E continua a ser a fé de um dos menores povos do mundo. Porém os judeus sempre causaram impacto desproporcional aos números. Por quê?
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Vivemos hoje um estranho paradoxo. Somos confrontados diariamente por imagens de catástrofes globais: terror, terroristas suicidas, danos ao meio ambiente, países e continentes afetados pela pobreza e doenças.... Existe algo natural – um instinto básico de empatia e simpatia – que nos faz querer ajudar quando vemos pessoas sofrendo.

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O motivo está na crença radical imbuída no âmago da nossa fé, de que podemos fazer a diferença – e que devemos fazê-la. D'us nos conclama a nos tornarmos Seus "parceiros na obra da Criação". O Judaísmo não é uma fé que nos leva a aceitarmos o mundo como ele é. É uma fé que nos desafia a fazer o mundo como ele deveria ser. É um grito de protesto contra as injustiças e crueldades aleatórias do mundo.

Em meu livro, "To Heal a Fractured World, explico algumas das idéias principais da ética judaica: tsedacá (justiça social), chessed (atos de bondade), darchei shalom (os caminhos da paz), Kidush Hashem (santificar o Nome de D'us), e o princípio de que "todos os judeus são responsáveis uns pelos outros". O livro tira seu nome da famosa idéia do místico do século dezesseis, Rabi Yitschac Luria, conhecido como ticun olam – ou seja, que somos chamados para remendar as fraturas do mundo, uma ação por vez, um dia por vez.

Nossa tendência é considerar estas idéias como algo estabelecido como se fossem auto-evidentes, mas não são. Estão enraizadas numa visão singular de D'us, do universo e de nosso lugar nele. O Judaísmo mantém uma visão extremamente alta da dignidade e importância do indivíduo – em oposição às massas, à multidão, à nação, ao império. Não acreditamos que somos manchados pelo pecado original, ou que o destino está totalmente nas mãos da Providência. D'us nos habilita, como um pai sábio capacita seu filho, a crescer, desenvolver-se e exercer responsabilidade. Estamos aqui para fazermos uma diferença.

Originalmente, quando escrevi o primeiro rascunho, presumi que seria de interesse somente dos leitores judeus. Fiquei surpreso quando um não-judeu após outro disseram-me – quando lhes contei em qual livro eu estava trabalhando – que desejavam lê-lo. Foi então que percebi como a ética judaica é relevante para os problemas do século 21. Muitas e muitas vezes, nestes anos que passaram, fiquei surpreso por ver como o público em geral é receptivo à ética judaica, nascida há tanto tempo. A Torá realmente é, como está escrito em Devarim, "sua sabedoria e entendimento aos olhos das nações".

A ética da responsabilidade é a chave que dá acesso a uma vida satisfatória। No fim, o que nos faz sentir realizados não é o quanto ganhamos, ou o que possuímos, mas a sensação de termos contribuído com algo de valor para o mundo. O livro é minha maneira de dizer obrigado aos milhares de judeus que conheço, que se engajaram em atos de compaixão e generosidade, cuidando dos doentes, confortando os enlutados, oferecendo hospitalidade aos solitários e ajudando aqueles que precisam. To Heal a Fractured World conta sua história, e a fé sobre a qual ela é construída – que todo ato de bondade acende uma vela de esperança num mundo muitas vezes escuro e perigoso.

Rabino Chefe Da Inglaterra, Professor Jonathan Sacks

De onde vem a ética?

É certo clonar seres humanos? Existe uma vida que não seja digna de ser vivida? Quando é correto ir para a guerra? O terrorismo está sempre errado? Há algo de errado nos casamentos entre pessoas do mesmo sexo? O aborto deve ser legalizado?


A lista dos dilemas éticos do Século 21 é interminável. O ponto chave a esse respeito é: como e baseados em quais tendências respondemos esses dilemas éticos. Na verdade, esta é uma pergunta que preocupava os antigos filósofos.


Na filosofia ocidental há geralmente três opiniões sobre a origem da ética. Primeiro existe a "Teoria da Ética do Divino Comando", defendendo que a ética origina-se de D'us – que aquilo ordenado por D'us é arbitrariamente bom e ético. O contra-argumento a isso afirma que esta opinião leva ao absurdo onde D'us pode, em teoria, decretar o adultério como sendo ético. Se alguém argumentar que D'us não pode fazer isso está admitindo que os padrões éticos são estabelecidos por algo que não seja D'us!1


Em seguida à Teoria do Comando Divino está a Teoria das Formas, apresentada por Platão, afirmando que há uma "forma" independente fora de D'us, que é o padrão absoluto de moralidade e ética. O problema aqui é que este padrão absoluto jamais foi revelado a um mundo espaço-temporal, portanto não se pode ter certeza de que alguém atingiu o padrão absoluto da ética. Nós, portanto, ficamos com o dilema original: o que é ético?


O terceiro ponto de vista sustenta que todo o conhecimento é relativo ao indivíduo, e neste caso não pode haver moralidade absoluta: toda a ética é relativa às circunstâncias, pessoas e culturas. e neste caso não pode haver moralidade absoluta: toda a ética é relativa às circunstâncias, povos e culturas. Esta opinião também é problemática porque, levada à sua conclusão lógica, não existe qualquer ética.2


Há um versículo enigmático na Torá que parece estar diretamente relacionado a esse debate. D'us diz a Moshê: "Fala a toda a congregação dos Filhos de Israel, e diz a eles: Vocês devem ser sagrados, pois Eu, o Eterno teu D'us, sou sagrado."3


A ordem "Vocês devem ser sagrados" provoca debate entre os comentaristas. Alguns dizem que isso significa que a pessoa deve ser especialmente cuidadosa em questões de moralidade sexual.4 Baseando sua opinião no Talmud, outros dizem que isso se refere à necessidade de exercer a autodisciplina até em questões que não levam proibição da Torá. Segundo esta opinião, "Vocês devem ser sagrados" implora para que a pessoa seja sempre abstêmia e autodisciplinada quando se trata de prazeres materiais.5 É interessante notar que esta interpretação do versículo é idêntica à opinião de Aristóteles sobre como a conduta ética humana deve ser determinada.

"Vocês devem ser sagrados, pois Eu, o Eterno seu D'us, sou sagrado" pode parecer um argumento um tanto vago para a conduta ética; no entanto, encerra uma explicação muito profunda sobre a origem da ética.


D'us criou o homem "à Sua imagem".6 Segundo os cabalistas, este versículo indica que D'us possui atributos (midot ou sefirot). No sistema cabalista há dez atributos Divinos, dos quais três são intelectuais e sete emocionais. Deve-se notar, porém, que os atributos Divinos são perfeitos e infinitamente diferentes daqueles dos seres humanos. Portanto, quando a Torá diz que o fato de D'us ser ético (sagrado) é um motivo para os seres humanos serem éticos (sagrados), isso significa que a origem da moralidade vem do próprio D'us.


A forma perfeita, o portador do padrão para a perfeita moral – que Platão via como estando fora de D'us – na verdade se origina dentro do próprio D'us. D'us está revelando que as leis éticas que estão escritas na Torá não são apenas leis morais relativas ou análise intelectual da natureza humana que levam a adivinhações educadas sobre o que é e o que não é ético. Ao contrário, as leis éticas encontradas na Torá são uma revelação Divina daquela perfeita forma que é um paradigma para a conduta humana ética. De fato, não há uma maneira mais segura de estar certo sobre o que é ético e o que não é que o portador do padrão da conduta ética revelá-la a nós.


Então, quando confrontado pelos enormes dilemas éticos do Século 21, há apenas um local para procurar as respostas: a forma perfeita, que é a origem da ética, como está manifestada na Torá.

Por Levi Brackman

Não Seja Justo

O Livro do Gênesis (nos capítulos 13-14 e 18-19) nos relata sobre a perversa cidade de Sodoma (Sedom).

Primeiro lemos como Lot, sobrinho de Avraham, instalou-se em Sodoma apesar do fato de que seus habitantes eram "maus e pecadores para com D'us"; Sodoma é assolada pelos exércitos de Kedarlaomer, e Avraham vem para resgatar seu sobrinho capturado; encontramos então Avraham suplicando a D'us para poupar a cidade pecaminosa pelo mérito dos residentes justos que lá possam viver, mas acontece que nem ao menos dez pessoas assim podem ser encontradas; dois anjos, disfarçados de homens, visitam a cidade, mas somente Lot lhes oferece hospitalidade; Lot os salva da ralé sodomita, e eles, por sua vez, resgatam a ele e suas duas filhas antes de destruir a cidade.


Quais eram os pecados de Sodoma? Em diversos idiomas, o nome da cidade é sinônimo de perversão sexual. Isso deriva da narrativa da Torá de como a ralé que cercava a casa de Lot exigia que este entregasse seus dois hóspedes a eles "para que possamos violentá-los." Mas as tradicionais fontes judaicas - o Talmud, Midrashim e os Comentários - têm um ângulo diferente sobre a história de Sodoma. Lá, a ênfase não está em seus pecados sexuais, mas na sua falta de hospitalidade e sua violenta oposição a quem quer que ouse compartilhar qualquer bem da cidade com um estranho.


Nas palavras do Talmud: "Os homens de Sodoma foram corrompidos somente por causa do bem que D'us havia lhes prodigalizado... Disseram: 'Como a terra nos fornece o pão, e o solo tem ouro em pó, porque devemos receber viajantes, que vêm a nós somente para se aproveitar de nossa riqueza? Ora, vamos abolir a prática de alojar viandantes em nossa terra...'"


Eles até encontraram uma forma de ser caridosos enquanto se asseguravam de que nenhum estrangeiro se beneficiaria de sua caridade: "Se um pobre por acaso fosse para lá, cada morador lhe daria um dinar, sobre o qual haveria seu nome escrito, mas nenhum pão era vendido a ele. Quando morria, cada um vinha e recolhia de volta seu dinar." Chegaram ao ponto de decretar: "Aquele que der um pedaço de pão a um mendigo ou estranho será queimado numa estaca."


A história de Sodoma aparece na Torá contra o pano de fundo da vida de Avraham. De fato, Sodoma é a antítese de Avraham, retratado pela Torá como a própria personificação de chessed(benevolência). Avraham dá muito de si, tanto materialmente (fornecendo comida e alojamento aos caminhantes) quanto espiritualmente (compartilhando as verdades que descobriu, rezando por Sodoma); o sodomita pretende guardar para si mesmo aquilo que é.


O que é notável sobre os habitantes de Sodoma é que não são ladrões (como a geração do Dilúvio). Mesmo quando privavam um intruso de seus pertences, eram cuidadosos em fazê-lo de forma "legal." De fato, sua filosofia básica parece até benigna. Nas palavras de Ética dos Pais:


Aquele que diz: "O que é meu, é meu, e o que é seu é seu" - esta é a característica de Sodoma.


O que pode ser mais justo? Certo, o povo de Sodoma levou isso a extremos repulsivos. Mas todapessoa que declara: "O que é meu é meu, e o que é seu é seu" é um sodomita? Tudo que está declarando é: "Não tocarei naquilo que é seu, mas não espere que eu lhe dê alguma coisa."

Para o judeu, esta justiça é a essência do mal.

Por Yanki Tauber