segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A ética da responsabilidade judaica

Vivemos hoje um estranho paradoxo. Somos confrontados diariamente por imagens de catástrofes globais: terror, terroristas suicidas, danos ao meio ambiente, países e continentes afetados pela pobreza e doenças, além dos desastres naturais como o tsunami que custou tantas vidas há meses. Existe algo natural – um instinto básico de empatia e simpatia – que nos faz querer ajudar quando vemos pessoas sofrendo.

Ao mesmo tempo, com freqüência nos sentimos pequenos e insignificantes. O que podemos fazer para ajudar? O impacto que podemos causar parece inadequado perante a escala dessas tragédias. Há seis bilhões de pessoas atualmente. Que diferença um indivíduo pode fazer? Somos apenas uma onda num oceano de humanidade, poeira na superfície do infinito.

No livro To Heal a Fractured World tentei contar a história da "ética da responsabilidade" judaica. É uma história para o nosso tempo. O Judaísmo começou com Avraham, um único indivíduo. E continua a ser a fé de um dos menores povos do mundo. Porém os judeus sempre causaram impacto desproporcional aos números. Por quê?
_________________________________________________________

Vivemos hoje um estranho paradoxo. Somos confrontados diariamente por imagens de catástrofes globais: terror, terroristas suicidas, danos ao meio ambiente, países e continentes afetados pela pobreza e doenças.... Existe algo natural – um instinto básico de empatia e simpatia – que nos faz querer ajudar quando vemos pessoas sofrendo.

_________________________________________________________

O motivo está na crença radical imbuída no âmago da nossa fé, de que podemos fazer a diferença – e que devemos fazê-la. D'us nos conclama a nos tornarmos Seus "parceiros na obra da Criação". O Judaísmo não é uma fé que nos leva a aceitarmos o mundo como ele é. É uma fé que nos desafia a fazer o mundo como ele deveria ser. É um grito de protesto contra as injustiças e crueldades aleatórias do mundo.

Em meu livro, "To Heal a Fractured World, explico algumas das idéias principais da ética judaica: tsedacá (justiça social), chessed (atos de bondade), darchei shalom (os caminhos da paz), Kidush Hashem (santificar o Nome de D'us), e o princípio de que "todos os judeus são responsáveis uns pelos outros". O livro tira seu nome da famosa idéia do místico do século dezesseis, Rabi Yitschac Luria, conhecido como ticun olam – ou seja, que somos chamados para remendar as fraturas do mundo, uma ação por vez, um dia por vez.

Nossa tendência é considerar estas idéias como algo estabelecido como se fossem auto-evidentes, mas não são. Estão enraizadas numa visão singular de D'us, do universo e de nosso lugar nele. O Judaísmo mantém uma visão extremamente alta da dignidade e importância do indivíduo – em oposição às massas, à multidão, à nação, ao império. Não acreditamos que somos manchados pelo pecado original, ou que o destino está totalmente nas mãos da Providência. D'us nos habilita, como um pai sábio capacita seu filho, a crescer, desenvolver-se e exercer responsabilidade. Estamos aqui para fazermos uma diferença.

Originalmente, quando escrevi o primeiro rascunho, presumi que seria de interesse somente dos leitores judeus. Fiquei surpreso quando um não-judeu após outro disseram-me – quando lhes contei em qual livro eu estava trabalhando – que desejavam lê-lo. Foi então que percebi como a ética judaica é relevante para os problemas do século 21. Muitas e muitas vezes, nestes anos que passaram, fiquei surpreso por ver como o público em geral é receptivo à ética judaica, nascida há tanto tempo. A Torá realmente é, como está escrito em Devarim, "sua sabedoria e entendimento aos olhos das nações".

A ética da responsabilidade é a chave que dá acesso a uma vida satisfatória। No fim, o que nos faz sentir realizados não é o quanto ganhamos, ou o que possuímos, mas a sensação de termos contribuído com algo de valor para o mundo. O livro é minha maneira de dizer obrigado aos milhares de judeus que conheço, que se engajaram em atos de compaixão e generosidade, cuidando dos doentes, confortando os enlutados, oferecendo hospitalidade aos solitários e ajudando aqueles que precisam. To Heal a Fractured World conta sua história, e a fé sobre a qual ela é construída – que todo ato de bondade acende uma vela de esperança num mundo muitas vezes escuro e perigoso.

Rabino Chefe Da Inglaterra, Professor Jonathan Sacks

De onde vem a ética?

É certo clonar seres humanos? Existe uma vida que não seja digna de ser vivida? Quando é correto ir para a guerra? O terrorismo está sempre errado? Há algo de errado nos casamentos entre pessoas do mesmo sexo? O aborto deve ser legalizado?


A lista dos dilemas éticos do Século 21 é interminável. O ponto chave a esse respeito é: como e baseados em quais tendências respondemos esses dilemas éticos. Na verdade, esta é uma pergunta que preocupava os antigos filósofos.


Na filosofia ocidental há geralmente três opiniões sobre a origem da ética. Primeiro existe a "Teoria da Ética do Divino Comando", defendendo que a ética origina-se de D'us – que aquilo ordenado por D'us é arbitrariamente bom e ético. O contra-argumento a isso afirma que esta opinião leva ao absurdo onde D'us pode, em teoria, decretar o adultério como sendo ético. Se alguém argumentar que D'us não pode fazer isso está admitindo que os padrões éticos são estabelecidos por algo que não seja D'us!1


Em seguida à Teoria do Comando Divino está a Teoria das Formas, apresentada por Platão, afirmando que há uma "forma" independente fora de D'us, que é o padrão absoluto de moralidade e ética. O problema aqui é que este padrão absoluto jamais foi revelado a um mundo espaço-temporal, portanto não se pode ter certeza de que alguém atingiu o padrão absoluto da ética. Nós, portanto, ficamos com o dilema original: o que é ético?


O terceiro ponto de vista sustenta que todo o conhecimento é relativo ao indivíduo, e neste caso não pode haver moralidade absoluta: toda a ética é relativa às circunstâncias, pessoas e culturas. e neste caso não pode haver moralidade absoluta: toda a ética é relativa às circunstâncias, povos e culturas. Esta opinião também é problemática porque, levada à sua conclusão lógica, não existe qualquer ética.2


Há um versículo enigmático na Torá que parece estar diretamente relacionado a esse debate. D'us diz a Moshê: "Fala a toda a congregação dos Filhos de Israel, e diz a eles: Vocês devem ser sagrados, pois Eu, o Eterno teu D'us, sou sagrado."3


A ordem "Vocês devem ser sagrados" provoca debate entre os comentaristas. Alguns dizem que isso significa que a pessoa deve ser especialmente cuidadosa em questões de moralidade sexual.4 Baseando sua opinião no Talmud, outros dizem que isso se refere à necessidade de exercer a autodisciplina até em questões que não levam proibição da Torá. Segundo esta opinião, "Vocês devem ser sagrados" implora para que a pessoa seja sempre abstêmia e autodisciplinada quando se trata de prazeres materiais.5 É interessante notar que esta interpretação do versículo é idêntica à opinião de Aristóteles sobre como a conduta ética humana deve ser determinada.

"Vocês devem ser sagrados, pois Eu, o Eterno seu D'us, sou sagrado" pode parecer um argumento um tanto vago para a conduta ética; no entanto, encerra uma explicação muito profunda sobre a origem da ética.


D'us criou o homem "à Sua imagem".6 Segundo os cabalistas, este versículo indica que D'us possui atributos (midot ou sefirot). No sistema cabalista há dez atributos Divinos, dos quais três são intelectuais e sete emocionais. Deve-se notar, porém, que os atributos Divinos são perfeitos e infinitamente diferentes daqueles dos seres humanos. Portanto, quando a Torá diz que o fato de D'us ser ético (sagrado) é um motivo para os seres humanos serem éticos (sagrados), isso significa que a origem da moralidade vem do próprio D'us.


A forma perfeita, o portador do padrão para a perfeita moral – que Platão via como estando fora de D'us – na verdade se origina dentro do próprio D'us. D'us está revelando que as leis éticas que estão escritas na Torá não são apenas leis morais relativas ou análise intelectual da natureza humana que levam a adivinhações educadas sobre o que é e o que não é ético. Ao contrário, as leis éticas encontradas na Torá são uma revelação Divina daquela perfeita forma que é um paradigma para a conduta humana ética. De fato, não há uma maneira mais segura de estar certo sobre o que é ético e o que não é que o portador do padrão da conduta ética revelá-la a nós.


Então, quando confrontado pelos enormes dilemas éticos do Século 21, há apenas um local para procurar as respostas: a forma perfeita, que é a origem da ética, como está manifestada na Torá.

Por Levi Brackman

Não Seja Justo

O Livro do Gênesis (nos capítulos 13-14 e 18-19) nos relata sobre a perversa cidade de Sodoma (Sedom).

Primeiro lemos como Lot, sobrinho de Avraham, instalou-se em Sodoma apesar do fato de que seus habitantes eram "maus e pecadores para com D'us"; Sodoma é assolada pelos exércitos de Kedarlaomer, e Avraham vem para resgatar seu sobrinho capturado; encontramos então Avraham suplicando a D'us para poupar a cidade pecaminosa pelo mérito dos residentes justos que lá possam viver, mas acontece que nem ao menos dez pessoas assim podem ser encontradas; dois anjos, disfarçados de homens, visitam a cidade, mas somente Lot lhes oferece hospitalidade; Lot os salva da ralé sodomita, e eles, por sua vez, resgatam a ele e suas duas filhas antes de destruir a cidade.


Quais eram os pecados de Sodoma? Em diversos idiomas, o nome da cidade é sinônimo de perversão sexual. Isso deriva da narrativa da Torá de como a ralé que cercava a casa de Lot exigia que este entregasse seus dois hóspedes a eles "para que possamos violentá-los." Mas as tradicionais fontes judaicas - o Talmud, Midrashim e os Comentários - têm um ângulo diferente sobre a história de Sodoma. Lá, a ênfase não está em seus pecados sexuais, mas na sua falta de hospitalidade e sua violenta oposição a quem quer que ouse compartilhar qualquer bem da cidade com um estranho.


Nas palavras do Talmud: "Os homens de Sodoma foram corrompidos somente por causa do bem que D'us havia lhes prodigalizado... Disseram: 'Como a terra nos fornece o pão, e o solo tem ouro em pó, porque devemos receber viajantes, que vêm a nós somente para se aproveitar de nossa riqueza? Ora, vamos abolir a prática de alojar viandantes em nossa terra...'"


Eles até encontraram uma forma de ser caridosos enquanto se asseguravam de que nenhum estrangeiro se beneficiaria de sua caridade: "Se um pobre por acaso fosse para lá, cada morador lhe daria um dinar, sobre o qual haveria seu nome escrito, mas nenhum pão era vendido a ele. Quando morria, cada um vinha e recolhia de volta seu dinar." Chegaram ao ponto de decretar: "Aquele que der um pedaço de pão a um mendigo ou estranho será queimado numa estaca."


A história de Sodoma aparece na Torá contra o pano de fundo da vida de Avraham. De fato, Sodoma é a antítese de Avraham, retratado pela Torá como a própria personificação de chessed(benevolência). Avraham dá muito de si, tanto materialmente (fornecendo comida e alojamento aos caminhantes) quanto espiritualmente (compartilhando as verdades que descobriu, rezando por Sodoma); o sodomita pretende guardar para si mesmo aquilo que é.


O que é notável sobre os habitantes de Sodoma é que não são ladrões (como a geração do Dilúvio). Mesmo quando privavam um intruso de seus pertences, eram cuidadosos em fazê-lo de forma "legal." De fato, sua filosofia básica parece até benigna. Nas palavras de Ética dos Pais:


Aquele que diz: "O que é meu, é meu, e o que é seu é seu" - esta é a característica de Sodoma.


O que pode ser mais justo? Certo, o povo de Sodoma levou isso a extremos repulsivos. Mas todapessoa que declara: "O que é meu é meu, e o que é seu é seu" é um sodomita? Tudo que está declarando é: "Não tocarei naquilo que é seu, mas não espere que eu lhe dê alguma coisa."

Para o judeu, esta justiça é a essência do mal.

Por Yanki Tauber